Mário de Andrade foi um dos principais líderes do movimento modernista brasileiro, tendo participado da Semana de Arte Moderna de São Paulo de 1922. Atuou em muitas frentes para realizar o projeto de “abrasileirar o Brasil”, buscando diluir criativamente as fronteiras entre erudito e popular e promover o reconhecimento da cultura popular e dos seus portadores sociais. Defendeu uma concepção plural de civilização, na qual há lugar para as diferenças e para a convivência mais democrática entre elas, sem perder de vista os processos e relações de desigualdades sociais. A lição não é pequena se lembrarmos dos velhos e novos processos de homogeneização e padronização dos comportamentos, dos sentimentos e das imaginações que também nos perpassam contemporaneamente.
Mário (Raul de Moraes) Andrade nasceu em 9 de outubro de 1893 e morreu a 25 de fevereiro de 1945 na cidade de São Paulo. Sua família era parte de uma classe média de orientação política liberal, mas católica, e altamente instruída. Diplomou-se pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde lecionaria ao longo da vida. Atuou de modo autodidata, mas com bastante competência, em vários domínios do conhecimento, como poesia, literatura, belas-artes, música, folclore, etnografia e história. Homem de imprensa, Mário manteve várias colunas em jornais diversos ao longo da vida, e também atuou no serviço público como formulador e responsável por importantes políticas públicas na área cultural, em São Paulo, como Chefe da Divisão de Expansão Cultural e Diretor do Departamento de Cultura entre 1935 e 1938; e também junto ao Ministério da Educação e Cultura, como autor do anteprojeto de criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (o SPHAN), em 1937, e como consultor do Instituto Nacional do Livro, em 1939. Em 1938, dirigiu o Instituto de Artes da Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro. Além dos numerosos artigos publicados em jornais e revistas, Mário é autor de Paulicéia desvairada (1922), Amar, verbo intransitivo (1927), Clã do jabuti (1927), Ensaio sobre a música brasileira (1928) e, entre muitos outros, Macunaíma (1928), talvez a principal realização em prosa do modernismo. A narrativa da aventura desse herói é composta a partir da combinação de elementos históricos, etnográficos e ficcionais tomados à tradição escrita e oral, erudita e popular, brasileiras, europeias, indígenas e africanas. O caráter híbrido do livro lhe permite a um só tempo figurar a busca da identidade nacional e problematizar crítica e ironicamente essa intenção que certamente era coletiva e de várias épocas. As misturas de todos os tipos de que se compõem Macunaíma é fundamental ainda para a composição do protagonista, que, como a sociedade brasileira, encontrava-se impregnado pelas ambiguidades e dilacerado entre ordens sociais e valores contrastantes, entre o tradicional e o moderno, o rural e o urbano, o Brasil e a Europa. Tal como Mario de Andrade chegou a definir a si próprio: “um tupi tangendo um alaúde”. Mário deixou ainda imensa correspondência com algumas das principais personalidades artísticas e intelectuais do seu tempo, que vem sendo publicada, e abrindo novas frentes de pesquisa, além de muitos textos ainda inéditos. Esse material, além da importante coleção de arte erudita e popular que reuniu e de sua importante biblioteca, encontra-se hoje no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP.
Sugestões de leitura:
Botelho, André. De olho em Mário de Andrade: uma descoberta intelectual e sentimental do Brasil. São Paulo: Claro Enigma, 2012.
Jardim, Eduardo. Mário de Andrade: Eu sou trezentos: vida e obra. Rio de Janeiro: Edições de Janeiro/FBN, 2015.
Lopez, Telê Porto Ancona. Mariodeandradiando. São Paulo: Hucitec, 1996.
Revista do IEB. Dossiê Mário de Andrade. no. 57 São Paulo dez. 2013.
Souza, Gilda de Mello. O tupi e o alaúde: uma interpretação de Macunaíma. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2003.