André Pinto Rebouças (13 de janeiro de 1838, Cachoeira/Bahia – 9 de maio de 1898, Funchal/Ilha da Madeira). Afrodescendente, foi engenheiro, empresário e jornalista, tornando-se conhecido pela singular atuação na campanha abolicionista ao longo da década de 1880, ao condicionar a resolução da “questão servil” à defesa de reformas sociais mais amplas, como a estrutura agrária, a imigração e a colonização. Participou de diversas sociedades socioprofissionais e agremiações políticas, como a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, a Sociedade Central de Imigração e a Confederação Abolicionista, escreveu para diversos jornais e periódicos e, dentre suas publicações, destacam-se Garantia de Juros (1874) e Agricultura nacional. Estudos econômicos. Propaganda abolicionista e democrática (1883).
Seguindo estratégia típica de famílias de recursos materiais modestos, a carreira militar no exército e o curso de engenharia capacitaram-lhe no domínio de áreas de conhecimento como botânica, astronomia, geologia e matemática, bem como sua aplicação nos paulatinos projetos de melhoramentos materiais a partir de 1860. Seu reformismo, compreensível no âmbito da circulação do pensamento social oitocentista no Brasil, é inseparável de sua trajetória socioprofissional. Formado pela Escola Militar do Largo São Francisco e pela Escola Militar e de Aplicação da Praia Vermelha, Rebouças participou, como oficial engenheiro, da Guerra do Paraguai, momento inicial da reflexão sobre o que entendia serem os “pilares do atraso”: a combinação de escravidão, monopólio territorial e monocultura.
Até meados da década de 1870, munido de redes de apoio formadas por engenheiros e políticos, lançou-se em iniciativas empresariais ligadas à modernização portuária, simultaneamente empenhando-se em projetos que estabelecessem marcos de atuação empresarial, como a versão original da Lei Geral das Docas de 1869, peça jurídica pela qual o Império pautou aquela modernização, e que vigorou até 1930. Atuando na Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional e no Instituto Politécnico, defendia a “livre iniciativa” e o “espírito de associação”.
Todavia, diante dos obstáculos em se estabelecer naquele incipiente mundo empresarial – bastante marcado por hierarquias estamentais e disputas políticas –, Rebouças procurou, no jornalismo e na militância reformista, estratégias de propaganda em torno de temas como abolicionismo, imigração espontânea, colonização nacional e pequena propriedade territorial. Valendo-se de leituras tocquevilleanas e liberais concebidas como matrizes civilizatórias pautadas na harmonia de interesses, publicou em diversos periódicos, explicitando neles o desconfortável diagnóstico de “parasitismo” e “atrofia” da sociedade brasileira, incapaz, enquanto vigesse o monopólio territorial, em seguir a “marcha da civilização”. Ao longo da década de 1880, aproxima-se de abolicionistas de distintos matizes ideológicos (como Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, Joaquim Serra, Saldanha Marinho), bem como de defensores da pequena propriedade territorial e oriundos de outras tantas tradições monárquicas (como Alfredo Taunay, Beaurepaire Rohan e Carlos von Koseritz). Ao participar de agremiações como a Sociedade Brasileira Contra a Escravidão, Confederação Abolicionista e Sociedade Central de Imigração, e compreendendo que a resolução da “questão servil” só se completaria com a “Democracia Rural”, Rebouças se singularizou em meio aos diversos grupos que, ao longo da crise do Império, protagonizariam o que tem sido reconhecido como o “movimento intelectual oitocentista” (Alonso, 2002). Ao interpretar a proclamação da República como um golpe dos setores escravocratas e latifundiários, uniu-se à família imperial deposta e, num exílio voluntário, iniciou nova jornada na Europa e na África. Entre 1889 e 1898, deu continuidade ao jornalismo e correspondeu-se com alguns dos principais interlocutores de outrora, acentuando a “questão agrária” como contraponto tanto ao escravismo como à proletarização e pauperização das populações urbanas.
A literatura mais recente – particularmente na área de Pensamento Social –, tem destacado sua peculiar articulação entre abolicionismo, imigrantismo, colonização e reforma agrária, buscando integrar seu percurso socio-profissional à leitura sobre condicionantes, metamorfoses e desdobramentos da crise do Império.
Sugestões de Leitura:
ALONSO, Â. M. Ideias em movimento: a geração 1870 na crise do Brasil Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
CARVALHO, M. A. R. O quinto século. André Rebouças e a construção do Brasil. Rio de Janeiro: Iuperj-Revan, 1998.
JUCÁ, J. André Rebouças: reforma & utopia no contexto do segundo império: quem possui a terra possui o Homem. Rio de Janeiro: Odebrecht, 2001.
TRINDADE, A. D. André Rebouças: um engenheiro do Império. São Paulo: Editora Hucitec / FAPESP, 2011.