Nascido em Vacaria (RS) em 1925, filho de agricultores de origem italiana, Raymundo Faoro formou-se em Direito no seu estado natal no ano de 1848. Três anos depois, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde se tornou procurador do Estado. Em 1958 publicou seu livro de maior impacto, referência obrigatória entre as obras de interpretação do Brasil: Os Donos do Poder – reeditado em versão ampliada em 1975. Se como “intérprete do Brasil” Faoro foi importante, como jurista e publicista também teve papel de destaque, especialmente no período de distensão da ditadura militar: presidente da OAB entre 1977 e 1979, empenhou-se na luta pela volta do Estado de Direito.
A tese central de Faoro sobre o Brasil é apresentada em Os Donos do Poder. Apoiando-se na categoria weberiana de patrimonialismo para caracterizar o Estado português e depois o brasileiro, ele identifica a formação e a persistência, desde os primórdios da formação do Estado português até o Brasil contemporâneo, no interior desse Estado, do chamado estamento burocrático – os “donos do poder”, uma “comunidade de domínio” que se apropria do aparelho do Estado e se torna “proprietária da soberania”, operando uma cisão entre Estado e nação. Não só o Estado é autônomo em relação à nação, como também ele a subordina, sufoca e deforma. A história contada por Faoro é a desse patrimonialismo ibérico, que tem a sua origem já no século catorze em Portugal e vem moldar a experiência histórica brasileira, como uma espécie de “vício de origem” do qual o país nunca consegue se livrar. Diferentemente de outras obras de interpretação do Brasil, no entanto, Os Donos do Poder não oferece propriamente um programa político para o Brasil. O livro não chega a defender a organização da nação pelo Estado (à la Oliveira Vianna) ou, ao contrário, a libertação da sociedade da opressão estatal através de reformas institucionais (como já fazia Tavares Bastos no século XIX). Mais do que um programa positivo, Faoro fornece ali uma visão desesperançada da política e da sociedade brasileiras.
A tese básica de Os Donos do Poder se mantém no texto da edição de 1975, agora muito maior e mais detalhado. Não por acaso o livro, cuja primeira edição havia sido recebida discretamente em 1958, teve grande repercussão em 1975, em plena ditadura militar. De alguma forma, a sua tese fazia mais sentido nesse novo contexto, dando munição para criticar o regime autoritário. Um ano antes, em 1974, Faoro publicara Machado de Assis: A Pirâmide e o Trapézio, um ensaio sobre a obra do escritor brasileiro feito à luz da sua interpretação da sociedade e da política do Segundo Reinado.
Quando, a partir do final dos anos 1970, foi chamado a intervir mais diretamente na vida pública brasileira, como presidente da OAB e portanto representante da “sociedade civil”, Raymundo Faoro passou também a escrever em diversos periódicos sobre temas da política nacional. Ao mesmo tempo, continuou a publicar artigos e ensaios de fundo sobre temas centrais do pensamento político-social brasileiro, como os desafios do liberalismo no Brasil. Embora nunca tenha militado formalmente na academia – “não me acho capacitado para dar aula”, disse ele em uma entrevista a Marcelo Coelho –. tinha entre seus mais próximos interlocutores gente de peso no meio acadêmico, como por exemplo Sérgio Buarque de Holanda.
Em 2000, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Até o fim da vida, em 2003, nunca deixou de contribuir para a reflexão sobre esse tema central da nossa formação social e política: a difícil e intrincada relação entre Estado e sociedade no Brasil.
Sugestões de leitura
FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder, Rio de Janeiro, Editora Globo, 1958, 1993.
Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. São Paulo: Editora Globo, 2001
A República Inacabada. São Paulo: Editora Globo, 2007
GUIMARÃES, Juarez (org.). Raymundo Faoro e o Brasil. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2009
WERNECK VIANNA, Luiz. “Weber e a interpretação do Brasil” in Novos Estudos CEBRAP, n. 53, 1999.