Oliveira Vianna (1883-1951) procurou entender os impasses da sociedade brasileira em perspectiva histórica, analisando os efeitos duradouros de uma estrutura fundiária concentrada, baseada em grandes latifúndios, nas formas de pertencimento social e de relação com o Estado. Diante de uma sociedade fragmentada, cujas formas de solidariedade social se restringiriam a laços privados em torno dos grandes proprietários rurais – com o concomitante baralhamento entre público e privado –, defendeu uma nova orientação para a ação do Estado, que deveria se adequar a estas especificidades da sociedade brasileira. A conexão histórica entre latifúndio, violência, e dominação pessoal, que Oliveira Vianna identifica desde o seu primeiro livro, condensa um dos desafios mais tenazes para a consolidação e a ampliação de direitos no Brasil.
(Francisco José de) Oliveira Vianna nasceu em 20 de junho de 1883, na fazenda de sua família, localizada em Rio Seco, município de Saquarema, e faleceu em 28 de março de 1951, em Niterói, cidade em que residiu durante quase toda a vida. Após a formatura no Colégio Pedro II, estudou na Faculdade Livre de Direito do Rio de Janeiro, onde concluiu seus estudos em 1905. Lecionou na Faculdade de Direito de Niterói, mais conhecida como “Teixeirinha”.
Antes de 1920, quando publica seu primeiro livro, Populações meridionais do Brasil, já havia assinado vários artigos na imprensa, além de participar regularmente das reuniões organizadas por Alberto Torres. Porém, é com Populações que as formulações de Oliveira Vianna passam a ganhar grande circulação, sendo debatidas intensamente pelos intelectuais do período. Por um lado, este livro se integrava a um projeto mais amplo, apenas parcialmente realizado, de analisar o Brasil em suas diferentes regiões. Por outro, Populações traz uma análise das bases sociais do poder no Brasil agrário, explicitando os nexos históricos entre a grande propriedade fundiária, a restrição das formas de pertencimento social em torno dos “clãs rurais” e a indistinção entre as esferas pública e privada. No interior dos latifúndios, não se realizariam relações sociais baseadas na noção de direitos, isto é, de igualdade perante a lei, mas relações pessoalizadas, diretas e violentas entre desiguais. Diante deste diagnóstico de “insolidariedade”, termo usado pelo autor, propõe um novo projeto para o país, que procuraria dar um sentido mais “público” à atuação do Estado. No lugar das instituições políticas liberais, vulneráveis, segundo Vianna, aos interesses particularistas dos “clãs rurais” que fragmentavam a estrutura social, defendia a atuação de um Estado centralizado e autoritário, único agente capaz de ampliar as formas de pertencimento social e de dar coesão à sociedade brasileira.
Sobre estas questões, publicou, dentre outros, Evolução do povo brasileiro (1923), O ocaso do Império (1925) e Problemas de Política Objetiva (1930). Ocupou diversos cargos públicos, sendo o de maior destaque a Consultoria Jurídica do Ministério de Trabalho, Indústria e Comércio (1932-1940), no qual elaborou pareceres técnicos decisivos para a modelagem institucional das relações trabalhistas no Brasil. Na década de 1940, após fortes embates com setores organizados, em especial a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), no que toca ao tipo de sindicalismo a ser adotado, volta-se à análise da formação da sociedade brasileira, porém com uma perspectiva mais cética em relação às possibilidades de superação da fragmentação social a partir da ação do Estado. Além de Instituições políticas brasileiras (1949), também escreveu os dois volumes, publicados postumamente, da História social da economia capitalista no Brasil (1987). Seu acervo pessoal encontra-se disponível para pesquisa na Casa de Oliveira Vianna, sua antiga residência no bairro de Fonseca, em Niterói, onde estão reunidos correspondência, manuscritos, pareceres técnicos e sua vasta biblioteca.
Sugestões de leitura:
Bastos, Elide Rugai & Moraes, João Quartim de (orgs.). O Pensamento de Oliveira Vianna. Campinas: Ed. Unicamp, 1993.
Botelho, André. Sequências de uma sociologia política brasileira. Dados: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, 50 (1), pp. 49-82, 2007.
Brasil Jr., Antonio & Botelho, André. “Próximo distante: rural e urbano em Populações meridionais e Raízes do Brasil”. In: Ferreira, Gabriela Nunes & Botelho, André (orgs.). Revisão do pensamento conservador: ideias e política no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2010, pp. 233-272.
Bittencourt, André Veiga. O Brasil e suas diferenças: uma leitura genética de ‘Populações meridionais do Brasil’. São Paulo: Hucitec, 2013.
Gomes, Angela Maria de Castro. “Oliveira Vianna: um statemaker na Alameda São Boaventura. In: Botelho, André & Schwarcz, Lilia Moritz (orgs.). Um enigma chamado Brasil: 29 intérpretes e um país. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, pp. 144-159.