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Gilda de Mello e Souza

Gilda de Mello e Souza nasceu em 1919 e passou a infância em Araraquara. Em 1930, mudou-se para São Paulo para estudar. Nove anos depois, concluiu o curso de filosofia. A formação intelectual recebida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências, a influência decisiva de Mário de Andrade (seu primo de segundo grau) e a experiência inédita para as moças de sua geração de uma sociabilidade ancorada na vida universitária permitiram-lhe inventar um novo destino. De início como contista da revista Clima (1941-1944), depois como professora da Universidade de São Paulo. Reconhecida como ensaísta, ela transitou da sociologia para a estética; aventurou-se pela literatura, artes plásticas, teatro, cinema; expandiu a compreensão da pintura acadêmica e do modernismo brasileiro; adensou o olhar sobre o cinema europeu; refinou a percepção crítica, a meio caminho entre a ciência e a arte.

A terceira dos cincos filhos do casal Hilda e Candido de Moraes Rocha, Gilda morou até os 11 anos na fazenda Santa Isabel, de propriedade da família. Em 1930, mudou-se com a irmã mais velha para São Paulo, com a finalidade de estudar no Colégio Stafford, frequentado por meninas de elite. Ambas foram morar na casa da tia avó, Maria Luisa de Moraes Andrade, mãe do “papa” do modernismo paulista, Mário de Andrade, cuja influência na formação de Gilda foi decisiva. Ao concluir o secundário em 1934, ela se inscreveu no curso de filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências, onde se formou em 1939.

A intimidade de Gilda com o universo literário – adquirida desde muito cedo, como leitora compenetrada e reforçada pela presença de Mário de Andrade – seria ampliada com a convivência como amigos da faculdade, especialmente como responsáveis pela publicação da revista Clima (1941-1944): Antonio Candido (com que se casaria em 1943), Paulo Emílio Salles Gomes, Décio de Almeida Prado, Lourival Gomes Machado, Ruy Coelho. Produtos do novo sistema de produção intelectual implantado na Universidade de São Paulo, por intermédio dos professores estrangeiros (franceses, em particular), Gilda de Mello e Souza e seus amigos do “grupo Clima” renovaram a tradição ensaística brasileira, romperam com a concepção de trabalho e com o padrão de carreira da geração anterior, diferenciaram-se dos modernistas e dos cientistas sociais com os quais conviveram na Universidade de São Paulo.

De todas as mulheres do grupo Clima, Gilda foi a única que conquistou nome próprio em razão de sua trajetória acadêmica e de seus escritos. O primeiro deles, a tese de doutorado A moda no século XIX, defendida em 1950, sob a orientação de Roger Bastide – de quem ela era assistente na cadeira de sociologia I. Um dos estudos mais inovadores sobre o assunto de que se tem notícia – aqui e alhures – trata a moda como linguagem simbólica (apta a exprimir ideias e sentimentos difusos) e como meio de marcar pertencimento e sublinhar distinções sociais, sem perder de vista a sua ligação com as artes. O estilo de exposição e a habilidade para enlaçar o dado concreto à argumentação analítica somam-se aos olhos de lince com os quais a autora esquadrinha as dimensões estéticas da moda. Para decifrá-la nessa chave é necessário a um só tempo desenvoltura no assunto e um conhecimento amplo das formas simbólicas expressas em diversos suportes artísticos. Gilda tinha de sobra os dois.

Entre 1950 e 2005, data de seu último ensaio, Notas sobre Fred Astaire, publicado no ano de sua morte, Gilda voltou várias vezes ao tema. Seu interesse pelas formas da vestimenta aparece ora como indício para revelar dimensões inesperadas da obra cinematográfica de diretores importantes, ora como chave para interpretações renovadas da literatura brasileira, caso do ensaio “Macedo, Alencar, Machado e as roupas”, de 1995. Atenta aos significados distintos que esses escritores insuflaram à indumentária de suas personagens, Gilda pinçou o jogo sinuoso do erotismo num compasso analítico interessado em perscrutar as ligações profundas entre forma e conteúdo social. Esse mesmo movimento está presente no ensaio sobre o dançarino Fred Astaire, onde o foco é deslocado das roupas e dos adereços para o significado dos gestos e para o sentido da beleza (ou de sua ausência) na conformação do artista pleno.

A atenção ao concreto, ao contato direto com o objeto sob seu escrutínio (a roupa, o quadro, o filme, a peça de teatro) é sempre o ponto de partida do método crítico que Gilda aplicou aos assuntos de sua predileção. Ensaísta notável, ela mesclou sociologia e estética e deixou legado precioso: O tupi e o alaúde, Exercícios de leitura, O espírito das roupas, A ideia e o figurado; além da seleção e organização dos melhores poemas de Mário de Andrade.

Sugestões para leitura:
PONTES, Heloisa. “Campo intelectual, crítica de cultura e gênero”, in: Intérpretes da metrópole, São Paulo, Edusp/ Fapesp, 2010.
PONTES, Heloisa. “A paixão pelas formas: Gilda de Mello e Souza”, Novos Estudos Cebrap, n.74, março de 2006, pp.-87-105
MELLO E SOUZA, Gilda O espírito das roupas. A moda no século XIX. São Paulo, Companhia das Letras, 1987, 4ª reimpressão, 2001.
MELLO E SOUZA, Gilda. O tupi e o alaúde: uma interpretação de Macunaíma. São Paulo, Duas Cidades, 1979; 2ª edição, São Paulo, Duas Cidades/Editora 34, 2003.
MELLO E SOUZA, Gilda. A ideia e o figurado, São Paulo, Duas Cidades/Editora 34, 2005.