Carlos Ribeiro Justiniano Chagas. Considerado um dos mais importantes cientistas brasileiros, foi o autor, em 1909, da descoberta da tripanossomíase americana (doença de Chagas), causada pelo parasito Trypamosona cruzi (também descrito por ele) e transmitida por um inseto conhecido como “barbeiro”. Dirigiu o Instituto Oswaldo Cruz (1917-1934) e o Departamento Nacional de Saúde Pública (1920-1926) e foi o primeiro catedrático de medicina tropical da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1925-1934). Notabilizado pelas pesquisas sobre a doença que leva seu nome, enfatizou a importância social desta e outras endemias rurais como obstáculos ao progresso nacional. Foi liderança do movimento sanitarista que reuniu médicos, políticos e intelectuais que defendiam maior intervenção do poder público no campo da saúde, sobretudo nos “sertões” do Brasil.
Carlos Chagas nasceu aos 9 de julho de 1878, em uma fazenda próxima à cidade de Oliveira (MG). Em 1897, ingressou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, onde se formou em 1903. Sua tese de … »doutoramento para conclusão do curso médico, sobre os aspectos hematológicos da malária, foi desenvolvida no Instituto Soroterápico Federal, criado em 1900 e denominado, a partir de 1908, Instituto Oswaldo Cruz (IOC).
Em 1905, foi encarregado por Oswaldo Cruz (diretor do Instituto Soroterápico Federal e da Diretoria Geral de Saúde Pública) de combater uma epidemia de malária em Itatinga (SP), que prejudicava obras da Companhia Docas de Santos destinadas à construção de uma usina hidrelétrica para abastecimento daquele porto. Em 1907, coordenou a profilaxia da malária em Xerém (RJ), onde a Inspetoria Geral de Obras Públicas realizava a captação de águas para a capital federal. Em junho deste ano, foi designado para nova campanha antimalárica, com vistas a controlar uma epidemia da doença que havia paralisado as obras de extensão da Estrada de Ferro Central do Brasil entre Corinto e Pirapora (MG). Enquanto realizava as ações de combate à malária, na pequena cidade de Lassance, realizou em abril de 1909 a descoberta da doença que levaria seu nome, tendo identificado também o seu agente causal (nomeado por ele de Trypanosoma cruzi em homenagem a Oswaldo Cruz) e o seu transmissor, um inseto que proliferava nas frestas das paredes das casas de pau a pique, popularmente conhecido como barbeiro.
A descoberta foi comemorada como “grande feito” da ciência brasileira e os estudos sobre a nova doença tropical trouxeram grande prestígio ao cientista, que se tornaria membro de importantes associações médicas e científicas no Brasil e no exterior. Em 1910, a Academia Nacional de Medicina abriu vaga extraordinária para recebê-lo como membro titular. Em 1912, foi agraciado com o prêmio Schaudinn de protozoologia, concedido pelo Instituto de Doenças Marítimas e Tropicais de Hamburgo. Por duas vezes foi indicado ao Prêmio Nobel de Medicina, para os anos de 1913 e 1921.
Com a colaboração de outros cientistas de Manguinhos, Chagas dedicou-se a investigar os vários aspectos da nova doença, como as características biológicas do vetor e do parasito, o quadro clínico e a patogenia da infecção, a transmissão e o diagnóstico. Ao longo de sua trajetória científica, mobilizou-se em chamar a atenção da sociedade e dos poderes públicos sobre a gravidade e a importância médico-social desta e outras endemias rurais, que segundo ele constituíam os grandes males de um “país doente” cujo atraso era devido não ao clima tropical ou à composição racial da população, como muitos defendiam, mas às péssimas condições de saúde dos que viviam no interior.
Entre 1912 e 1913, chefiou uma expedição ao vale do rio Amazonas para estudar as condições sanitárias da região. O relatório da viagem enfatizou o abandono médico e social em que viviam as populações na Amazônia, reforçando a campanha que Chagas vinha fazendo quanto à importância médico-social das endemias rurais e que ganharia grande visibilidade com o chamado movimento pelo saneamento dos sertões (1916-1920).
Em fevereiro de 1917, por ocasião da morte de Oswaldo Cruz, Chagas assumiu a direção do IOC, cargo que ocuparia até o final de sua vida. Em 1918, foi incumbido pela Presidência da República de coordenar o combate à epidemia de gripe espanhola na capital federal. Em outubro de 1919, foi nomeado para a DGSP, transformada, em janeiro de 1920, no Departamento Nacional de Saúde Pública. Sua gestão no DNSP, que se estendeu até 1926, destacou-se pela implantação de diversos serviços de saúde e profilaxia rural nos vários estados do país e pela criação de cursos voltados para a formação especializada de profissionais de saúde (como a Escola de Enfermagem Anna Nery e o Curso Especial de Saúde Pública, respectivamente em 1922 e 1925). Em 1922, tornou-se membro do Comitê de Higiene da Liga das Nações, sendo o idealizador e primeiro diretor do Centro Internacional de Leprologia, instalado em 1934.
Foi professor do Curso de Aplicação do IOC (especialização destinada à formação de pesquisadores no campo da medicina experimental) e, em 1925, tornou-se o primeiro titular da então criada cadeira de medicina tropical da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio de Janeiro. Faleceu aos 8 de novembro de 1934, no Rio de Janeiro.
Sugestões de leitura:
BENCHIMOL, J. L. & TEIXEIRA, L. A. Cobras, Lagartos & Outros Bichos: uma história comparada dos institutos Oswaldo Cruz e Butantan. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1993.
CHAGAS FILHO, Carlos. Meu Pai. Rio de Janeiro: COC/Fiocruz, 1993.
KROPF, Simone Petraglia & LACERDA, Alina Lopes de. Carlos Chagas, um cientista do Brasil (Carlos Chagas, scientist of Brasil). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2009.
HOCHMAN, Gilberto. A Era do Saneamento: as bases da política de Saúde Pública no Brasil. São Paulo: Hucitec, 2006 (2a. edição).
Kropf, Simone Petraglia. Doença de Chagas, doença do Brasil: ciência, saúde e nação (1909-1962). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2009.
KROPF, Simone Petraglia. Carlos Chagas e os debates e controvérsias sobre a doença do Brasil (1909-1923). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.16, supl.1, jul. 2009, p.205-227.
LIMA, Nísia Trindade. Um sertão chamado Brasil. São Paulo: Hucitec, 2013 (2ª. edição revista).