No ano de 1929, Benedito Nunes nasceu em Belém, cidade onde faleceu em 2011. Intelectual nacional e internacionalmente reconhecido, Benedito Nunes se notabilizou por sua obra e atuação nas áreas da hermenêutica, filosofia e crítica literária. Outra dimensão bem menos conhecida da sua trajetória é seu interesse pela sua própria região, a Amazônia. Como intelectual enraizado na região amazônica, impulsou o ambiente acadêmico lá e interrogou a realidade da sua região. Este interesse permite, assim, qualificar melhor a centralidade das relações entre local e universal na sua reflexão.
Nunes sempre morou na capital do Pará, embora tenha feito muitas viagens – sobretudo voltadas a desenvolver estudos e a proferir conferências e cursos – a outros estados brasileiros, a diversos locais da Europa, dos Estados Unidos e do Canadá. Todavia, resistiu aos convites para mudar de residência. Sua maior contribuição, como intelectual, vem da atuação acadêmica. Formou-se na Faculdade de Direito – carreira dominante na ocasião. Foi professor catedrático – nas áreas de filosofia e literatura – e emérito da Universidade Federal do Pará (UFPA), onde coordenou a implantação do curso de filosofia e a necessária preparação de seus primeiros professores. Muito ligado às artes, idealizou a criação da Escola de Teatro da mesma universidade, ao lado da esposa Maria Sylvia Nunes. Nas instituições universitárias do exterior e dos centros hegemônicos do país, bem como em grandes editoras nacionais, Nunes atuou nas áreas de filosofia e de crítica literária. Assim, sua trajetória marcou presença na França – Sorbonne, Collège de France e Rennes –, mas também nos Estados Unidos – Austin, Stanford, Yale, Vanderbilt, Berkeley – e Europa – Lisboa, Porto, Frankfurt, Cambridge, Oxford e Milão. Encontrou-se com Paul Ricoeur para conversas em Paris; acompanhou as visitas de Jean-Paul Sartre, de Simone de Beauvoir e de Michel Foucault a Belém; foi bolsista da Fundação Guggenheim; ganhou duas vezes o prêmio Jabuti; recebeu reconhecimento da Academia Brasileira de Letras (ABL) através do prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra; é autor de trabalhos seminais sobre Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Martin Heidegger, Fernando Pessoa, João Cabral de Melo Neto e Oswald de Andrade; coordenou edições dos diálogos de Platão traduzidos para o português por seu tio Carlos Alberto Nunes; teve participação destacada no Congresso de Crítica e História Literária de Assis, liderado por Antonio Candido, ao lado de quem foi costumaz colaborador do emblemático Suplemento Literário do jornal O Estado de S.Paulo; no ano de 2009, tomou parte em eventos acadêmicos promovidos na USP e na UNICAMP em homenagem ao seu octogésimo aniversário – universidades nas quais foram concluídas teses a respeito de sua construção intelectual, a partir de diferentes olhares sobre o crítico literário.
Benedito Nunes manifestou relevantes preocupações teóricas e epistemológicas, de pensar o universal e de entender os significados que ligam filosofia e ciência, filosofia e arte, poesia e filosofia, cultura e política, ideologia e ciência, enfim, uma reflexão completa, complexa e interdisciplinar, rompendo fronteiras do conhecimento com sua visão universalista da filosofia e da cultura – o que permite identificar as matrizes da crítica cultural adotada por ele, cuja sintonia era propiciada pela própria bagagem intelectual da filosofia, da crítica literária e das ciências sociais, no diálogo, sobretudo, com autores da tradição alemã e francesa que transitam da filosofia à história, à sociologia e à antropologia. Sua imersão na circulação das ideias é sensível, contextualizada à época e ao universo das interpretações produzidas por gerações de intelectuais e de críticos da cultura brasileira. Adotava sempre postura teórica reflexiva, captando o universal dos acontecimentos, nos nexos e correlações que tecem as dimensões profundas da condição humana. Esse é o histórico mais visível de Benedito Nunes: suas ideias como professor e ensaísta de filosofia e de literatura tiveram grande repercussão. Essas não foram, porém, suas únicas frentes de refexão. Uma dimensão bem menos conhecida da sua trajetória e obra é o seu interesse por sua região, a Amazônia. Sobre ela, elaborou ensaios, concedeu entrevistas, redigiu prefácios, participou de debates e apresentou palestras sobre a história, a sociedade e as culturas da Amazônia, do Pará, de Belém. Portanto, refletiu a respeito da sua região, aspecto que também permite identificá-lo com o campo de estudos do pensamento social, que está voltado para as grandes temáticas sociais da realidade e a análise de intelectuais com suas correspondentes modalidades de produção. Suas análises contêm interpretação profunda e original de observador arguto que também tem piso nas ciências sociais. Ele é intérprete, pelo trabalho hermenêutico penetrante que desenvolveu para entender a região e o seu lugar no mundo. Benedito é exegeta, pessoa que interpreta – valendo-se de aparato intelectual – na busca de ajuizar ou aclarar o sentido da história, dos documentos e dos fatos, explicando-os para, então como autor, se fazer compreender a partir de crítica e reelaboração próprias do que apreendeu, sempre com o sentimento de ser partícipe, abrindo caminhos para a problematização, a reflexão e o debate. Benedito é intérprete da sua região também no sentido de quem colecionou, leu e estudou obras e autores pertinentes; dialogou com eles; identificou problemas, lacunas e legados; reescreveu a história com pena pessoal, exteriorizando assim seu pensamento em palavras.
Sugestões de leitura:
Nunes, Benedito. Uma percepção geográfica da vida (1961)
* Maria Stela Faciola Pessoa Guimarães foi doutoranda em Desenvolvimento Sustentável do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Planejamento do Desenvolvimento, em 2012, também pelo NAEA. Seu principal objeto de pesquisa diz respeito ao pensamento de Benedito Nunes sobre a Amazônia, tema da área de pensamento social que apresentou em publicações, congressos, encontros e outros eventos. Formada em Engenharia Civil pela UFPA. Foi gestora, dirigiu instituições e organismos do setor público em Belém: Escritora de ficção, tem livros editados, textos veiculados pela internet e prêmios literários conquistados. Frequentou de 2006 a 2010 os cursos livres de filosofia e literatura ministrados por Benedito Nunes, o que motiva seu interesse em aprofundar estudos a respeito do autor paraense. Analisou também a obra de Chico Buarque de Hollanda em ensaios e palestras.
Com o falecimento de Stella Pessôa em 2016, colega das mais entusiastas com a Biblioteca Virtual do Pensamento Social, solicitamos a sua filha Maria Elizabeth Faciola Pessoa Guimarães, e a sua irmã Maria Isabela Faciola Pessoa que preparassem o presente verbete a partir da edição de escritos e publicações de Stella sobre Benedito Nunes, autor que ela vinha estudando com grande dedicação em seu doutorado interrompido. Com esse pequeno gesto, a equipe da BVPS presta sua homenagem a essa colega e amiga inesquecível.